Conhecer o fenômeno é imprescindível
Aplicativos baseados nas necessidades advindas da compreensão deste fenômeno serão aqueles que farão estrondoso sucesso, em detrimento dos que serão meras migrações de softwares do mundo desktop. Mas... O que está acontecendo no mundo? Que fenômeno é esse, afinal?
Um diagnóstico
No ano de 1999, o filósofo Pierre Levy publicou um livro intitulado "Cibercultura", no qual discorreu sobre uma teoria segundo a qual algo de inédito estaria surgindo no mundo. O autor fez diversas previsões sobre o futuro que se aproximava, baseando-se em movimentos coletivos que começavam a surgir, diferente de qualquer exemplo anterior.
Sustentava a hipótese que estaria havendo um movimento social espontâneo, um fenômeno de organização de indivíduos em rede, proporcionado pelo avanço das comunicações e da tecnologia digital, com o advento da Internet.
Cinco anos depois, em 2004, nascia o conceito "Web 2.0", descrevendo um ambiente de troca de informações desenhado no topo do que antes era conhecido como "World Wide Web" (WWW), que, na versão original, era meramente um lugar onde se lia de forma passiva páginas com informações sobre determinados assuntos.
A diferença agora era que sua versão evoluída permitia um nível mais sofisticado de interação: escrever comentários, avaliar textos, publicar artigos, etc. De repente o cidadão se deu conta de que ele passou a ser também produtor de conteúdo, deixando de ser um personagem meramente passivo. "Web 2.0" foi como gasolina na fogueira vislumbrada por Pierre Levy.
Iniciava ali a migração de um mundo construído após a revolução industrial (onde prosperaram rádio e televisão) em que havia um (ou alguns) transmissores e uma infinidade de receptores passivos (que aceitavam a mensagem como verdade única, sem questioná-la: um monólogo), para uma realidade diametralmente oposta, onde agora havia muitos emissores e muitos receptores (que debatiam: diálogo). O mundo "1 pra N" começava a dar lugar ao mundo "N pra N", onde agora qualquer cidadão comum poderia, além consumir, produzir informação, ou seja, um ambiente onde os papéis eram frequentemente alternados. Agora, todos podiam ter seu próprio canal.
Com essa nova configuração onde cada indivíduo podia ser também um emissor, era natural que em pouco tempo o ambiente se tornasse caótico: o descontrole de ideias era a tônica. O antigo conceito de uma entidade ou instituição, privada ou governamental, que controlava a comunicação e por conseguinte divulgava uma "verdade" única, começava a ruir e agora havia muitas verdades sendo propagadas. Com mais personagens produzindo informação, junto com as facilidades tecnológicas, houve uma vertiginosa queda nos custos, pois os receptores estavam ávidos por conteúdo criativo, autêntico, que não obedeciam necessariamente ao "padrão". E logo começaram a consumir essa "programação" ou a utilizar serviços alternativos, que atendiam de forma mais inteligente aos seus anseios. Isso punha em cheque as organizações tradicionais, que pela primeira vez em muitas décadas, estavam sem conseguir entender o que estava acontecendo. E ainda que tivessem muitos recursos financeiros, começaram a não conseguir competir no novo contexto, muito menos controlá-lo.
Não demorou muito para o cidadão comum perceber que agora tinha um valor político-econômico inédito como pessoa. E que essas ferramentas tecnológicas que lhe permitiam propagar suas ideias, provocaram o surgimento de mais um fenômeno novo: Um aumento de sua auto-estima, mudando a percepção do que era capaz de realizar, e o consequente empoderamento do indivíduo. De repente uma ideia ganhou o poder de quebrar toda uma indústria. Cidadãos se viram capazes de mudar os rumos de governos.
Diversos pólos de conhecimento e opinião foram surgindo aos poucos, tornando-se células independentes, representando alternativas às verdades absolutas que costumavam ser ventiladas no passado recente. Aos poucos, era possível perceber que essas células dariam origem à nós. E que esses nós dariam origem, mais tarde, à uma rede.
A observação inicial deste fenômeno levava mesmo à percepção de que ocorreria uma forte desintermediação (ou seja, a extinção completa dos intermediários nas relações entre as pessoas). O comércio seria substituído, os hotéis desapareceriam, assim como as cooperativas de táxi. Pois os serviços estavam ficando ruins e extremamente caros, em função de vícios advindos do controle absoluto que as organizações tinham sobre os clientes. E agora havia uma promissora alternativa. Um viva os aplicativos!
No entanto, como mostrou a história, não foi o que ocorreu. A imaginada desintermediação, na verdade deu lugar a uma reintermediação, ou seja, as organizações tradicionais foram sendo substituídas por organizações inovadoras, capazes de entender a guinada de direção para onde o mundo estava indo e atender melhor ao exigente cidadão que estava surgindo.
Nesse novo ambiente com centenas ou milhares de envolvidos, uns provendo serviços ou conteúdo, e outros consumindo, logo se percebeu uma necessidade de classificar o mérito (ou demérito) dos participantes, em prol da confiabilidade e da segurança. Nasceu o conceito de "karma digital", ou seja, a reputação do cidadão em suas participações online. O karma digital tinha como função modular a comunidade, avaliando o comportamento de cada um. Também destacava os melhores, sucumbia os piores e impedia indivíduos mal-intencionados de participar da moderação. Era a versão 3.0 dos antigos "selos de qualidade" ou "garantias de autenticidade", e os "ISOs" das últimas décadas. Surgiam novas moedas de troca nas relações interpessoais: reputação e mérito.
De "emissor e receptores" a "receptores emissores"
Iniciava ali a migração de um mundo construído após a revolução industrial (onde prosperaram rádio e televisão) em que havia um (ou alguns) transmissores e uma infinidade de receptores passivos (que aceitavam a mensagem como verdade única, sem questioná-la: um monólogo), para uma realidade diametralmente oposta, onde agora havia muitos emissores e muitos receptores (que debatiam: diálogo). O mundo "1 pra N" começava a dar lugar ao mundo "N pra N", onde agora qualquer cidadão comum poderia, além consumir, produzir informação, ou seja, um ambiente onde os papéis eram frequentemente alternados. Agora, todos podiam ter seu próprio canal.
Descontrole de ideias
Com essa nova configuração onde cada indivíduo podia ser também um emissor, era natural que em pouco tempo o ambiente se tornasse caótico: o descontrole de ideias era a tônica. O antigo conceito de uma entidade ou instituição, privada ou governamental, que controlava a comunicação e por conseguinte divulgava uma "verdade" única, começava a ruir e agora havia muitas verdades sendo propagadas. Com mais personagens produzindo informação, junto com as facilidades tecnológicas, houve uma vertiginosa queda nos custos, pois os receptores estavam ávidos por conteúdo criativo, autêntico, que não obedeciam necessariamente ao "padrão". E logo começaram a consumir essa "programação" ou a utilizar serviços alternativos, que atendiam de forma mais inteligente aos seus anseios. Isso punha em cheque as organizações tradicionais, que pela primeira vez em muitas décadas, estavam sem conseguir entender o que estava acontecendo. E ainda que tivessem muitos recursos financeiros, começaram a não conseguir competir no novo contexto, muito menos controlá-lo.
Empoderamento
Não demorou muito para o cidadão comum perceber que agora tinha um valor político-econômico inédito como pessoa. E que essas ferramentas tecnológicas que lhe permitiam propagar suas ideias, provocaram o surgimento de mais um fenômeno novo: Um aumento de sua auto-estima, mudando a percepção do que era capaz de realizar, e o consequente empoderamento do indivíduo. De repente uma ideia ganhou o poder de quebrar toda uma indústria. Cidadãos se viram capazes de mudar os rumos de governos.
Descentralização
Diversos pólos de conhecimento e opinião foram surgindo aos poucos, tornando-se células independentes, representando alternativas às verdades absolutas que costumavam ser ventiladas no passado recente. Aos poucos, era possível perceber que essas células dariam origem à nós. E que esses nós dariam origem, mais tarde, à uma rede.
Reintermediação
Com a formação das redes de conhecimento, foram surgindo soluções totalmente inéditas para antigos problemas, que já não podiam mais ser atendidos eficazmente pelas organizações tradicionais, com suas ideias enferrujadas (soluções para o mundo pós revolução industrial, mas aquém dos problemas contemporâneos). Diversos aplicativos foram surgindo e modificando totalmente a maneira como as pessoas interagiam com o ambiente. Representaram verdadeira revolução no mercado, a um custo irrisório. Aplicativos que faziam desconhecidos fecharem negócios com segurança. Outros que facilitavam chamar um táxi, unindo passageiro e motorista de uma forma muito mais inteligente. Alguns resolviam a questão da hospedagem para viajantes, definindo um critério de avaliação mútua, que dava a certeza ao viajante de ter onde ficar e garantia a segurança de quem oferecia a hospedagem a um desconhecido. Foram surgindo, enfim, soluções mais inteligentes e baratas para questões que há pouquíssimo tempo eram controladas por grandes organizações, as quais determinavam forma e preço a seu bel prazer. E as organizações sentiram o baque. Afinal, seria mesmo o destino do intermediador a extinção?
A observação inicial deste fenômeno levava mesmo à percepção de que ocorreria uma forte desintermediação (ou seja, a extinção completa dos intermediários nas relações entre as pessoas). O comércio seria substituído, os hotéis desapareceriam, assim como as cooperativas de táxi. Pois os serviços estavam ficando ruins e extremamente caros, em função de vícios advindos do controle absoluto que as organizações tinham sobre os clientes. E agora havia uma promissora alternativa. Um viva os aplicativos!
No entanto, como mostrou a história, não foi o que ocorreu. A imaginada desintermediação, na verdade deu lugar a uma reintermediação, ou seja, as organizações tradicionais foram sendo substituídas por organizações inovadoras, capazes de entender a guinada de direção para onde o mundo estava indo e atender melhor ao exigente cidadão que estava surgindo.
Meritocracia
Uma nova maneira de resolver problemas complexos
Assim foram os movimentos "Primavera Árabe" (2010), "Revolução de Jasmin" na Tunísia (2010), Occupy Wall Street" (2011) nos EUA, a "Revolução Egípcia" (2011), "Manifestações de Junho" (2013) no Brasil, Protestos na Turquia (2013), "Revolução dos Guarda-chuvas" em Hong-Kong (2014), "Fora Dilma" (2015) no Brasil, para citar alguns.
Todos com características semelhantes, pautas difusas, ausência de líderes e momentos de vales e picos totalmente espontâneos e descontrolados.
Vários pensadores (entre eles o próprio Pierre Levy), no Brasil Carlos Nepomuceno, Augusto de Franco, na Espanha, Manuel Castells, dentre outros, discorreram suas teorias a respeito e chegaram a conclusão semelhante: Estamos vivendo uma revolução cognitiva do ser humano cujas causas são ainda especulativas, mas com forte influência tecnológica.
Resumidamente, com o advento da comunicação global de massa, somado com o aumento populacional exponencial, escassez de recursos e percepção de falta de competência dos governos (e empresas) atuais para solucionar as questões do dia a dia, houve uma explosão de movimentos reivindicatórios em todo o mundo.
Com a miniaturização dos dispositivos, os velhos computadores desktop acabaram nos bolsos das pessoas e as redes sociais antes consideradas "virtuais", agora as mantém conectadas umas às outras 24 horas por dia e em qualquer lugar.
Aplicativos já resolvem antigos problemas do dia a dia de forma muito mais eficiente. A tecnologia acabou provando que há soluções muito mais baratas e eficazes e isso acabou salientando de forma inequívoca a ineficiência e o peso das governanças tradicionais.
Como exemplo podemos citar os aplicativos de Táxi, que, além de otimizarem o encontro do passageiro com o motorista através da seleção do taxista mais próximo via GPS, também apresentam solução no que diz respeito à reputação do motorista, permitindo que o cidadão faça sua escolha através da avaliação feita por passageiros anteriores. Assim o serviço se auto-regula, tornando-se independente de cooperativa e muito mais confiável, pois é baseado em opiniões isentas.
Aplicativos de compra e venda surgiram, permitindo que cidadãos que não se conhecem fechem negócios de forma segura, através, também, de uma espécie de "karma virtual", em que a reputação é a grande moeda de troca.
Também criaram os de avaliação de restaurantes permitindo que uma pessoa escolha onde fazer sua refeição de acordo com a percepção prévia de outros clientes.
São tantos exemplos focados em diversas áreas, e o que têm em comum é o fato de que escancararam que os governos e as instituições ficaram obsoletos, pois não trabalham com o mesmo nível de inteligência.
Entender o fenômeno, portanto, é essencial para o sucesso do aplicativo
Ao pensar em criar um aplicativo devemos responder as seguintes questões:
* Que serviço mal prestado poderia ser melhor atendido por uma solução digital-colaborativa?
* Como a colaboração do cidadão poderia ajudar a construir esta solução?
* Qual seria o ganho do cidadão ao utilizar esta nova solução, percebendo o retorno de sua participação?
* Por que esta ideia de app é considerada inovadora?
* Como proteger a nova solução da corrosão por vícios do sistema?
Para ilustrar, vamos responder às perguntas considerando um aplicativo de táxi: 1) O serviço mal prestado de uma tradicional cooperativa de táxi pode ser melhor atendido por uma solução digital-colaborativa. 2) O cidadão pode colaborar avaliando o motorista, de forma a deixar uma mensagem utilizável pelos futuros passageiros na escolha do táxi. 3) O ganho do cidadão seria obter um táxi mais rapidamente (GPS) e um motorista mais confiável do que se sob a chancela de uma cooperativa. 4) Esta ideia de app é considerada inovadora porque modifica de forma disruptiva a relação dos passageiros com taxistas e cooperativas. 5) Melhorando continuamente o algoritmo para evitar manipulação das avaliações.
Visualizando a diferença que classifica uma solução como 3.0
Agora vamos imaginar um fazendeiro que ganha a vida com o comércio de leite. Sua atividade é ordenhar vacas. Sua família depende disso para o sustento.
Qual a diferença entre o apicultor e o ordenhador de vacas? O que aconteceria se ambos fossem afastados de suas atividades temporariamente?
Faltaria leite. Mas não faltaria mel!
Isto porque as abelhas continuariam produzindo mel, ainda que com a ausência do apicultor.
Uma solução 3.0 é, portanto, uma maneira de atender a um problema que independe da presença do dono. Ela se auto-regula (ou se auto-gere).
O criador do aplicativo de táxi não é proprietário de nenhum veículo sequer. Não tem atendentes para pôr passageiros em contato com motoristas. Também, o criador do app de hospedagem não é dono de hotéis. O criador do aplicativo de compra e venda não possui um comércio. Todos eles contam com algo imprescindível no novo contexto: A colaboração.
Tipos de colaboração
Essa colaboração pode ser consciente (caso em que chamamos de colaboração direta), onde o cidadão sabe que está fazendo algo em prol de uma causa (exemplo: avaliar um motorista).
Há também a colaboração indireta, em que nem sempre o usuário sabe que está ajudando. Um exemplo clássico é a utilização do GPS do celular do indivíduo para obter a uma localização.
Uma terceira forma de colaboração, bem mais sofisticada e difícil de criar é a colaboração induzida (ou cruzada). Como exemplo podemos citar alguns sites que pedem para o usuário digitar alguns caracteres de confirmação para que o sistema saiba que ele é um ser humano e não um robô. Parte dos caracteres digitados têm realmente esta finalidade, mas geralmente é mostrada uma foto de uma página de um livro e o cidadão tem que digitar a palavra ou número visualizado. Pois bem, ao fazê-lo, a pessoa está colaborando na digitalização de um livro, sem saber: Exemplo de colaboração induzida.
Tipos de Moderação
O mundo 1.0 geralmente vê como solução colocar um algoritmo para detectar palavras inadequadas, mas isso é rapidamente burlado pelo ser humano, que insere espaços entre as letras ou abrevia os palavrões, enfim... O algoritmo também não é capaz de detectar um comentário racista, por exemplo. Fácil! Basta colocarmos um funcionário fazendo moderação dos comentários, pensa o gerente 1.0. Haja hora extra!
Existem tipos diversos de moderação. Alguns são mais apropriados do que outros. Alguns são inovações incrementais, outros inovações disruptivas. É importante entender a diferença:
"Pré-moderação": é quando se filtra um conteúdo antes de sua publicação. Pressupõe o aval de alguém, que libera a informação segundo critério próprio.
"Pós-moderação": ao contrário, permite que qualquer um publique a informação, sem filtro. Depois de publicada, será analisada segundo um critério, por alguém que decidirá se será mantida ou não.
"Auto-moderação" (ou auto-regulação): é inovação disruptiva, pois retira do modelo a figura do censor. A auto-moderação pressupõe ferramentas que permitam aos usuários da própria rede denunciar uma publicação como imprópria (o que, por conseguinte, faz dela pós-moderada também). A decisão de remover o conteúdo é critério do algoritmo (por exemplo: Caso haja 10 denúncias de uma determinada publicação, ela será removida automaticamente).
Conclusões
O embasamento filosófico permite criar uma teoria. Daí surge um diagnóstico, que possibilita a implementação de uma metodologia.
O mundo mudou, há um crescimento exponencial da população. Os recursos permanecem os mesmos e não está havendo um planejamento adequado para atender a todos os anseios. Há cada vez mais diversidade na sociedade e os governos e as organizações são cada vez menos capazes de representar e atender todos os cidadãos.
A tecnologia, o empoderamento do indivíduo, a reintermediação dos serviços e a forma de representação política, serão a tônica dos debates nos próximos anos.
Assistimos, diante de nossos olhos, ao desenrolar de uma época ao mesmo tempo incerta e fascinante, mas repleta de oportunidades para quem fizer o dever de casa.
Portanto, estar bem embasado filosoficamente é condição primordial antes de cogitarmos produzir aplicativos de celulares.
Parabéns pelo texto, que representa minha atual visão de mundo. Para melhorar algumas imagens e exemplos ilustrariam bem a colaboração induzida, as variações de moderação.
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Uma ótima introdução ao verdadeiro mundo Mobile!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo seu comentário!
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